sexta-feira, 5 de março de 2010

A inesquecível oratória de Domingas.



“Insolente! Melhor seria que introduzisses o símbolo da fertilidade na extremidade da abertura de teu reto, o qual se encontra eivado de moléstias.” Assim, com essa maestria, eis que um dia vi Domingas responder a um dos muitos transeuntes que a provocavam. Costumo dizer que aqueles que não conheceram a dona daquele olhar imaculado, daqueles gestos suaves, daquela voz melíflua, simplesmente desconhece o que há de mais refinado em se tratando de oratória. Que retórica! Que fluidez! Meu Deus, de que alabastro seriam feitas as palavras de Domingas? Vejamos mais um exemplo do refinamento oral daquela senhora quando foi mais uma vez insultada: “É do conhecimento empírico de todos os nossos concidadãos que a vossa genitora é uma criatura comparável às habitantes dos lupanares e que por isso o vosso suposto pai traz na cabeça um par de apêndices duros, pontudos e recurvos.” Cada provocação era para Domingas a oportunidade de emitir vocábulos enternecedores, de mostrar aos incultos como se fala.
E assim viveu Domingas, adocicando as palavras, despertando paixões, educando a juventude, causando inveja aos beletristas da ALSA. Dizem que pouco antes de morrer as suas últimas palavras foram: “O meu desejo mais profundo e mais ardente neste momento único é que os habitantes desta distinta cidade caminhem o mais rápido possível em direção à terra ocupada pelo Anjo Caído.” Simplesmente lindo isso. Aplaudam!

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Santamarenses


Como dizia Tolstói, “se queres ser universal, canta primeiro a tua aldeia”. Os santamarenses, que querem mesmo é que esse tal de Tolstói se exploda justamente porque ele não nasceu em Santo Amaro, talvez não queiram ser universais mas cantam essa nossa aldeia em alto e bom som (reconheçamos, em som muuuuuuuito alto!). Repletos de paixão e de chumbo, os santamarenses, no afã de cantar as grandezas dessa aldeia (perdão, desta cidade), não sentem qualquer pudor em burlar, em manipular, em atropelar, em estuprar a História. Onde é que foi dado o primeiro passo para a Independência, hein? Meu filho, o que seria do Brasil sem a nossa presença na Guerra do Paraguai? Quem tiver dúvidas que vá perguntar aos velhinhos lânguidos, saudosos dos tempos áureos dos engenhos de açúcar, do bonde puxado a burro e do Tiro de Guerra.
Exímios fuçadores das raízes das árvores genealógicas, os santamarenses (mesmo aqueles “bem moreninhos”) vivem em busca do elo perdido entre eles e os componentes das raças Barões, Condes, Viscondes, Conselheiros, etc., etc. Ou seja, todo mundo aqui quer ser parente de um desses indivíduos bondosos que colaboraram para que os negros fossem retirados da África para serem muito bem tratados na civilização dos canaviais.
No final das contas, o que todos os nascidos nesta terra briosa e altaneira querem dizer em uníssono é: se você não é santamarense o problema é todo seu.
Este texto é dedicado à memória do Conselheiro Saraiva, notório santamarense criador da Lei dos Sexagenários, aquela que libertava os escravos que completassem 60 anos de idade. (Tá certo que nenhum escravo chegava a essa idade, mas a lei foi criada por um santamarense e eu não quero nem saber).

A praça é nossa!



Agora associada à água que jorra abundante das trombetas enferrujadas do chafariz, a Praça da Purificação continua a mesma. Reduto noturno de vários grupos (alguns de longa data, outros surgidos por conta de bizarrices da nova conjuntura), a nossa querida praça resiste com a sua força aglutinadora.
A Praça da Purificação é ponto de encontro da turma dos Malhados, os quais, apesar do telencéfalo pouco desenvolvido, conseguem a proeza de passar horas a fio discutindo a metodologia de desenvolvimento da panturrilha; é parada obrigatória da tribo dos Pagodeiros, rapaziada extremamente culta, seguidores do Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade- isso ficou explícito com a bela composição do lobo mau que vai te comer, vai te comer- e que além disso contam com o apoio de Caetano Veloso, um senhor de idade que provavelmente por já não poder mais ralar o parreco descobriu que tem que ser viola; tem também a galera Rock-Punk-Anarquia, cuja grande estratégia para combater a ordem burguesa é embriagar-se com Sangria Maravilha (ingerir de Cantina da Serra pra cima já é aderir ao sistema); não podemos deixar de fora os Intelectuais, gente que engloba em suas pautas a Filosofia de esquina, a Política de boteco e outras áreas do conhecimento santamarense. Alguns dos representantes desse grupo sentem um indescritível prazer em carregar livros debaixo do braço (até parece que livros servem para alguma coisa!).
Enfim é a mesma praça, os mesmos bancos, o mesmo jardim, a mesma concentração de grupos que engrandecem a nossa cidade com a sua indubitável contribuição, contando agora, como já foi dito, com a abundância de água. Esta, numa visão mais que otimista, não está contaminada por nenhum metal pesado. Saudações santamarenses.
P.S.: Eu sei que exagerei ao falar de jardim no parágrafo acima, já que ele não existe em nossa praça. Mas eu sou santamarense e não desisto nunca.